Dívidas Em Tempo De Coronavírus

Instituições Financeiras podem cobrar juros? Aplicação da Teoria da Imprevisão.


A pandemia do Coronavírus (Covid-19) trouxe ao mundo inúmeras situações desesperadoras e inesperadas, criando uma tensão mundial comum entre líderes e simples homens médios. Além do grande número de mortos, a doença impôs uma mudança de comportamento a todos, sobretudo, o isolamento social. Diversos clientes empresários e trabalhadores vêm realizando indagações jurídicas ao meu escritório quanto “aos problemas de natureza econômica” que o isolamento social acarretará, restando a seguinte dúvida:

  • Os bancos e instituições financeiras podem cobrar juros de cartões de crédito, financiamentos e demais empréstimos em atraso durante a epidemia?

A resposta quase unânime seria SIM, mas entendo que NÃO poderia. Por um lado, as Instituições Financeiras estão resguardadas pelo Estado na cobrança dos “juros legais”, os quais têm respaldo nas diretrizes do Banco Central e decisões do Poder Judiciário.

Por outro lado, a Pandemia, que além dos prejuízos que vem ocasionando também permitiu a reflexão da população mundial acerca de determinados assuntos e, portanto, o presente artigo traz informações sem quaisquer vieses políticos/partidários, sendo estritamente uma opinião pessoal com o intuito de esclarecer as dúvidas jurídicas que venho recebendo.

Os empresários foram obrigados a fechar seus estabelecimentos ou reduzir sua atividade mercantil em decorrência de decretos estaduais e municipais, não havendo oportunidade de funcionamento das empresas, haja vista determinação expressa do Poder Público proibindo determinadas atividades. Consequentemente, os funcionários dessas empresas, ou foram dispensados ou tiveram seus salários reduzidos.

Diante dessas medidas do ente Estatal, houve redução de capital, seja pelo empresário, ao diminuir seu faturamento, seja pelo trabalhador, com a demissão ou redução salarial. Portanto, sem outra possibilidade, pessoas físicas e jurídicas começaram a ter dificuldade em adimplir contas mensais corriqueiras e comuns, como as de financiamento empresarial, imobiliário, veicular, empréstimo pessoal e de cartão de crédito.

Cumpre ressaltar que a grande massa sequer recebeu o salário para conseguir estocar alimentos e comprar itens de higiene pessoal, e diante desse cenário pagar as contas bancárias ficou muito distante – qual a solução?

Analisando os clientes que buscaram minha orientação, os noticiários e pesquisas que realizei, pude constatar que a maioria das instituições bancárias não congelaram ou suspenderam os juros desses contratos e estão apenas realizando o refinanciamento dessas dívidas[1], ou seja, APLICANDO MAIS JUROS. Aliás, as empresas de varejo afirmaram que os bancos aumentaram em até 70% o valor das taxas de juros[2] que vinham sendo aplicadas no referido setor.

Em uma análise superficial, se você depositar seu dinheiro numa instituição financeira HOJE (Abril de 2020) e realizar uma aplicação financeira que lhe dê um retorno de 100% do CDI (baseado na Taxa Selic), seu rendimento será de no máximo 3,75% ao ano[3]. Frisa-se, que se você optar por aplicar na poupança, o rendimento é menor ainda, chegando no máximo de 2,6% ao ano de “lucro” de seu investimento anual. Talvez por isso é que os quatro maiores bancos no Brasil atingiram em 2019, o montante de 81,51 bilhões de lucro líquido[4].

Ou seja, a instituição financeira EMPRESTARÁ seu dinheiro e de todos os outros correntistas para realizar grandes movimentações e aumentar o seu poderio econômico, e frise-se, utilizando o seu dinheiro. Nessa referida relação, como contraprestação de uso de seu DINHEIRO o banco lhe pagará apenas 3,75% de juros a seu favor.

Entretanto, se você precisar emprestar dinheiro de seu banco em crédito pessoal, os juros cobrados atualmente em média são de 120% ao ano e se se tratar de cartão de crédito rotativo os juros chegam em 320% ao ano[5] - tal situação as vezes é denominada liberalismo econômico, particularmente eu entendo ser locupletamento indevido, mal revestido de legalidade.

É nítido que o Brasil é um país afetado economicamente e os microempresários e trabalhadores sempre têm dificuldade em garantir uma renda justa para a sobrevivência, haja vista a própria dificuldade da estabilidade econômica brasileira, bem como diante dos altos índices de juros que se instalaram no país.

A título exemplificativo, o Banco Dinamarquês Jyske Bank, ao emprestar dinheiro para seus clientes, tem cobrado juros negativos - isso mesmo que você leu, o terceiro maior banco da Dinamarca lhe empresta dinheiro e lhe cobra -0,5% de juros[6], ou seja, a cada ano sua dívida reduz (juros negativos). No Brasil, além de lucrarem muito com nosso dinheiro, as instituições financeiras cobram juros atuais, que variam de 120% a 320%, portanto, indo na contramão do que deve ser justo e coerente.

Vale salientar também que nos extensos contratos de empréstimos que realizam, os bancos redigem inúmeras cláusulas e determinações em linguagem inacessível, com provável intenção de levar em erro as pessoas comuns. Inclusive, em alguns contratos que tive a oportunidade de analisar como advogado, senti dificuldade em entender a intenção de determinada instituição, pois evidente a ambiguidade das cláusulas.

Essa conduta das instituições bancárias no Brasil não faz sentido para a própria teoria do liberalismo econômico, pois a intenção dos bancos é gerar lucro, mas com a elevadíssima taxa de juros e na ânsia de buscar mais lucro, o tiro sai pela culatra, uma vez que as pessoas não conseguem adimplir as dívidas, e consequentemente, os bancos não recebem.

Em fevereiro de 2020[7] – antes da pandemia do Coronavírus (Covid-19), 65,1% das famílias brasileiras estavam endividadas, sendo que 78,6% dessas dívidas são decorrentes do cartão de crédito – aquele que tem taxas de juros no patamar de 320% ao ano.

Agora com a incidência do isolamento social, dos fechamentos e redução da atividade mercantil, bem como das reduções salariais, a tendência é que esse número de inadimplentes aumente muito, e, portanto, significativa quantidade de brasileiros estará endividada. Qual a solução dos bancos para auxiliar positivamente nesse momento frágil da população? Pensou? Isso mesmo, nenhuma solução, pelo contrário, oferecem renegociação do contrato com o evidente aumento de juros, contribuindo efetivamente para o caos social.

Resta a dúvida - caberá a quem solucionar tais questões que a pandemia já ocasionou e ocasionará? Sim, a ele mesmo, o Poder Judiciário. Só ele poderá, após o ingresso de demandas quanto a cobrança de juros em época de pandemia, dar a cartada final e decidir se é justo os bancos cobrarem altíssimos juros, enquanto todos buscavam sobreviver.

Sendo assim, poderão os devedores e prejudicados pela pandemia ingressar com ação contra os bancos no intuito de rever os juros e tarifas cobradas pelas instituições financeiras, invocando os fundamentos da Teoria da Imprevisão contida no Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, nos moldes dos seguintes artigos:

CÓDIGO CIVIL

  • Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
  • Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

  • Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
    V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Como visto, os brasileiros estão salvaguardados pela legislação para reverem os contratos que foram prejudicados, pois a pandemia é nitidamente um fato atípico e superveniente, sendo indispensável que o Poder Judiciário revise as cobranças abusivas, concedendo aos brasileiros os mesmos benefícios conquistados pelo chefe do Poder Judiciário – O EXMO. MINISTRO DIAS TOFFOLI, aquele que, segundo reportagens da mídia[8], conseguiu com determinado banco um empréstimo de R$ 1.400.000,00 (1 milhão e quatrocentos mil reais) a serem quitados em 17 anos com juros mensais de 1,4% ao mês.

Ou seja, a título argumentativo, se o Sr. Ministro depositar o empréstimo numa boa aplicação financeira seu rendimento será maior do que os juros que lhe foram cobrados. Com base nesses elementos, o Poder Judiciário poderá conceder os mesmos benefícios aos brasileiros que estão enfrentando dificuldades financeiras nesse período de pandemia.

Por fim, a orientação que deixo é: Procure seu advogado antes de realizar qualquer refinanciamento de sua dívida. Aliás, busque orientação jurídica SEMPRE.

Alexandre Taborda Ribas

ADVOGADO (OAB/PR – 70.253)

www.tabordaribas.com.br

Referências

[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/bancos-elevam-juros-e-restringem-negociacao-com-a-crise-do-virus.shtml

[2] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/31/varejista-aumento-juros-alta-credito-emprestimo-bancos.htm

[2] https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/selic-cai-para-375-ao-ano-veja-quanto-rendem-r-5-mil/

[4] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/13/lucro-dos-maiores-bancos-do-brasil-cresce-18percent-em-2019-e-soma-r-815-bilhoes.ghtml

[5] http://minhaseconomias.com.br/blog/dividas/cheque-especial-e-credito-rotativo-cartao

[6] https://super.abril.com.br/blog/bruno-garattoni/banco-dinamarques-lanca-o-primeiro-emprestimo-com-juros-negativos/

[7] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/02/percentual-de-familias-com-dividas-cai-pelo-2o-mes-seguido-mas-inadimplencia-aumenta.ghtml

[8] https://veja.abril.com.br/brasil/toffoli-relata-acoes-de-banco-que-lhe-emprestou-r14-mi/